domingo, 6 de dezembro de 2015

Quer açúcar ou adoçante?

Quando pedimos um café, esta é sempre a decisão que segue: o que vou meter no meu café? Durante muito tempo um pequeno pacote de açúcar servia para adoçar o café, sendo posteriormente substituído pelos adoçantes para conferir um sabor igualmente doce mas isento (ou quase) de valor calórico. E, enquanto que para muitos essa ideia prevalece, para outros o retorno ao açúcar tornou-se inevitável, uma vez que novos estudos indicam que o adoçante pode fazer tanto mal ou pior que o açúcar. Em que sentido o adoçante nos pode prejudicar? Será só um rumor? O que devemos escolher afinal?


Os adoçantes, também chamados de edulcorantes, são substâncias de sabor doce e com um valor calórico reduzido ou nulo, utilizadas como substitutos do açúcar. Podem ser naturais ou artificiais, sendo os mais conhecidos a frutose, a stevia, o sorbitol, o xilitol, o manitol e maltitol de entre os naturais, e o aspartame, o acessulfame-K, o ciclamato, a sacarina e a sucralose de entre os artificiais. Podem ser utilizados individualmente ou em combinação entre si. Geralmente, a sua capacidade adoçante é muito maior do que a da sacarose ("açúcar de mesa"), o que permite obter um sabor tão ou mais doce utilizando muito menor quantidade do produto e, consequentemente, obtendo um menor valor calórico associado. Para a maioria dos adoçantes, o sabor doce mantém-se mesmo quando expostos a elevadas temperaturas, o que alarga o seu espectro de utilização. Alguns desses adoçantes não conseguem ser metabolizados pelo nosso organismo, tendo mesmo um valor energético nulo. Tais caraterísticas tornam a sua utilização bastante vantajosa, quer para a indústria alimentar quer para os consumidores. Hoje em dia são já muito utilizados, não no formato de saqueta a adicionar ao café, mas também em produtos processados, como produtos light, guloseimas artificiais (pastilhas, chupas, gomas, rebuçados), sumos e refrigerantes, produtos de panificação e confeitaria, lacticínios e sobremesas lácteas, pudins, gelatinas, compotas, entre outros. Também estão presentes em pastas e elixires dentários, alguns produtos de cosmética e alguns medicamentos. Os adoçantes vêm identificados nos rótulos dos produtos que consumimos; contudo, raramente aparecem pelo seu nome mas sim pela sua codificação de aditivos alimentares, os "E" seguidos de números. E420, E421, E950, E951, E952, E954, E955, E960, E965, E967 são os códigos identificativos do Sorbitol, Manitol, Acessulfame-K, Aspartame, Ciclamato, Sacarina, Sucralose, Stevia, Maltitol e Xilitol, respetivamente.

No que toca ao caráter positivo ou negativo da sua utilização, o que a evidência mostra é que, apesar de toda a atenção da qual os adoçantes têm sido alvo nos últimos anos na comunidade científica e de muitos progressos terem sido feitos no conhecimento destas substâncias, são necessários mais estudos para formular uma opinião mais assertiva neste tópico. Alguns efeitos a longo prazo de certos adoçantes não são ainda bem conhecidos, e muitos estudos existentes foram realizados em animais, mas ainda não foram adaptados à espécie humana. Além disso, não se pode avaliar unicamente os adoçantes no seu conjunto, uma vez que, apesar de todos terem uma capacidade adoçante e alguns efeitos em comum, são bioquimicamente diferentes e reagem de maneira diferente no interior do nosso organismo. É então pertinente avaliar as caraterísticas e o efeito positivo ou negativo de cada adoçante individualmente.


Comecemos então pelo Aspartame. O aspartame é um edulcorante artificial, criado a partir do ácido aspártico e da fenilalanina. A sua capacidade adoçante é 200 vezes maior que o açúcar, ou seja, pode ser utilizado numa dose 200 vezes inferior ao açúcar para produzir o mesmo sabor doce. Confere 4 kcal por grama, contudo a sua utilização é na ordem dos mg. É dos poucos adoçantes que, quando exposto a temperaturas altas, perde a sua capacidade adoçante, pelo que a sua utilização não faz sentido em produtos que cuja confecção envolva exposição ao calor, como por exemplo produtos de panificação e confeitaria. Dada a presença de fenilalanina na sua composição, a utilização deste tipo de adoçante é logo contraindicada para doentes com fenilcetonúria, uma vez que estes doentes não conseguem metabolizar a fenilalanina, levando a sua acumulação no organismo e causando problemas neurológicos. Porém, foi apenas quando certos estudos começaram a estender o impacto negativo do aspartame a pessoas saudáveis que a sua reputação começou a denegrir. Estudos sugeriram que o consumo constante de aspartame poderia causar desde uma simples dor de cabeça a alterações de humor, ataques de pânico e ansiedade e alucinações visuais, a surgir imediatamente à sua toma ou de forma gradual. O seu consumo regular foi também associado ao desenvolvimento de alergias alimentares, agravamento da diabetes, taquicardia, depressão, dores articulares, cancro e problemas neurodegenerativos como Alzheimer, Parkinson, tumores cerebrais, entre outros. Contudo, estudos realizados pelo US National Cancer Institute, publicados em 2006 e envolvendo milhares de pessoas, concluíram não existir provas de que o aspartame cause cancro. Estudos realizados pela EFSA levaram à conclusão que o consumo de aspartame dentro dos valores recomendados (numa dose igual ou inferior a 40mg/kg/dia)  é seguro, mesmo para crianças e mulheres em período de gestação.

Segue-se o acessulfame-K, um dos adoçantes mais utilizados a nível dos suplementos desportivos. É um adoçante artificial cerca de 200 vezes mais doce que o açúcar e isento de calorias. Estudos realizados em animais, logo após a sua aprovação, sugeriram a possibilidade se ser carcinogénico, e de causar problemas durante a gestação. Contudo, em 2000, o Scientific Committe on Food reexaminou toda a evidência científica relacionando cancro e acessulfame-k, e concluiu que não havia indícios de que o consumo deste adoçante pudesse causar cancro na espécie humana. Se consumido dentro dos valores recomendados (dose igual ou inferior a 9mg/kg/dia) o acessulfame K é considerado saudável.
O ciclamato é um adoçante artificial, cerca de 30 a 50 vezes mais doce que o açúcar e isento de calorias. Apesar de inicialmente considerado seguro, devido a alguns estudos posteriores realizados em animais, demonstrando cancro na bexiga e danos testiculares derivados do seu consumo intensivo, o ciclamato foi considerado mutagénico e carcinogénico, e a sua utilização foi proibida em vários países, como EUA e Canadá. Porém, estudos melhores e mais recentes, realizados por diversas entidades de saúde e segurança alimentar, concluem o caráter seguro do ciclamato, pelo que voltou a ser admitido em alguns desses países, e aguarda essa decisão noutros. A sua utilização é permitida na Europa, sendo o consumo recomendado uma dose diária igual ou inferior a 7mg/kg/dia.


A sacarina é um adoçante artificial isento de calorias, com um poder adoçante 300 a 400 vezes superior ao da sacarose. Foi o primeiro adoçante artificial a ser elaborado. Estudos realizados com animais sugeriram desde cedo uma relação entre o consumo deste adoçante e um maior risco de desenvolver cancro da bexiga. A sua utilização foi proibida em países como  a França e o Canadá, e nos EUA, embora permitida, a sua presença tinha que vir expressa nos rótulos alimentares. Estudos mais recentes mostraram não existir uma relação entre a sacarina e cancro ao nível da saúde humana, e 1999 a International Agency for Research on Cancer concluiu que a sacarina não é carcinogénica. Já o Scientific Committe on Food concluiu que os resultados dos estudos em animais  não podem ser extrapolados para os humanos, contudo não foi possível provar que tal não ocorra, pelo que é necessária precaução. O consumo recomendado deste adoçante é numa dose igual ou inferior a 5mg/kg/dia.
A sucralose é um adoçante artificial, que resulta da modificação da molécula original de açúcar e inclusão de cloro na sua composição. Dessa modificação resulta uma intensificação do sabor doce do açúcar em cerca de 600 vezes, e sem contributo energético associado. Apesar de um estudo sugerir que o consumo frequente de sucralose pode enfraquecer o sistema imunitário, e estar na causa de dores de cabeça e enxaquecas, o Scientific Committe on Food afirma que não existem efeitos adversos associados ao consumo da sucralose, e a EFSA aprova a sua utilização nos mais variados produtos. O consumo recomendado é uma dose igual ou inferior a 15mg/kg/dia.

A stevia é um edulcorante natural, obtido a partir das folhas da planta com o mesmo nome, com uma capacidade adoçante entre 200 a 300 vezes superior ao açúcar. É isenta de calorias. Tem um sabor leve a anis, que normalmente não é do agrado da população geral, pelo que muitas vezes não é utilizada no seu estado puro e é misturada com outros adoçantes artificiais. A razão dessa mistura deve-se também ao facto de a FDA não aprovar os extratos de stevia naturais, reconhecendo apenas como segura a stevia refinada (que sofre processamento). A EFSA considera-a segura após uma série de estudos realizados em animais e humanos, publicados em 2010, afirmando que não é tóxica nem carcinogénica. Contudo, a mesma entidade realça que tal não significa que auxilie a perda de peso ou a manutenção de um peso saudável. O consumo recomendado é uma dose igual ou inferior a 4mg/kg/dia.


O sorbitol, o xilitol, o maltitol e o manitol são também chamados de açúcares álcoois. São encontrados naturalmente em algumas frutas, vegetais e algas marinhas, e apresentam um valor calórico de 2,4 a 2,6kcal por grama. Os açúcares álcoois são os únicos cujo sabor doce é menor que o do açúcar, correspondendo a cerca de metade do mesmo, o que justifica a sua utilização em simultâneo com outros adoçantes. Apenas metade dos açúcares álcoois consumidos são digeridos; contudo, se consumidos em grandes quantidades, podem ter um efeito laxante e causar diarreias, uma vez que aumentam a retenção intestinal de água, bem como flatulência e inchaço abdominal. Ainda que sejam absorvidos mais lentamente que o açúcar, em grandes quantidades, podem causar também picos glicémicos e de insulina, pelo que os diabéticos devem ter especial atenção ao seu consumo. Segundo a EFSA, se consumidos em moderação, os açúcares álcoois não provocam danos para a saúde, podendo até causar benefícios para a saúde oral, neutralizando a acidez da placa bacteriana sobre os dentes e prevenindo a formação de cáries. Não foi estabelecida uma dose recomendável.

A frutose é um açúcar naturalmente presente na fruta e no mel. Faz parte da composição da sacarose, juntamente com a glicose. Contudo, comparando a mesma quantidade de sacarose e de frutose, a frutose é cerca de 173 vezes mais doce que a sacarose. Tal como a glicose, fornece 4 kcal por grama, contudo pode ser utilizada em muito menor quantidade para obter o mesmo sabor; além disso, a sua absorção no intestino é mais lenta do que a da glicose, evitando picos de glicémia e de insulina no sangue, sendo por isso mais adequada para os diabéticos do que o açúcar de mesa, contendo ambos. Contudo, não deixa de ser um açúcar, pelo que quando consumida em excesso pode igualmente causar todos os problemas atribuídos ao consumo excessivo de açúcar como intolerância à glicose, diabetes, aumento ponderal e obesidade, entre outros. Além disso, o consumo de grandes quantidades de frutose pode causar ocasionalmente dores abdominais e diarreia. A frutose é muito utilizada hoje em dia como substituto do açúcar, principalmente na forma de xarope de milho rico em frutose. Este produto confere um sabor doce, e apresenta também na sua composição glicose e frutose, sendo que esta última está presente em maior quantidade do que no açúcar de mesa. O problema é que a quantidade de glicose não é menor, além de que tem vindo a ser adicionado nos mais variados produtos, desde os mais óbvios como doces e bolos, aos menos óbvios como molhos e produtos à base de carne, o que faz com que o seu consumo atual seja excessivo mesmo sem que se dê conta, e esteja na origem do aumento de casos das doenças já mencionadas.


Apesar das suas caraterísticas individuais, há vantagens e desvantagens comuns a todos. A utilização de adoçantes em vez de açúcar diminui significativamente o valor calórico ingerido através dos mais variados alimentos, sendo hoje em dia vistos como uma estratégia para a redução de peso. Além disso, para pessoas com doenças cuja dieta passa por uma redução do consumo de açúcares, como a diabetes ou hipertrigliceridémia por exemplo, a utilização de adoçantes permite que a dieta seja mais flexível, podendo manter alguns dos alimentos consumidos anteriormente desde que mudando a sua composição, em vez de os excluir totalmente. Esta simples medida pode ter um efeito importante a nível psicológico e a nível social para estes doentes. A juntar a todas estas vantagens, temos ainda a redução do risco de problemas prevalentes na sociedade atual, associados ao elevado consumo de açúcar, como aparecimento de cáries, resistência à insulina e diabetes, aumento de peso e obesidade, problemas hepáticos, problemas cardíacos, entre outros.

Há porém um problema comum ao consumo dos adoçantes, que se prende com a noção errada por parte da população que, ao terem menos açúcar e menos calorias, os produtos com adoçante na sua composição podem ser consumidos em maior quantidade. Muitos dos produtos com adoçantes na sua composição apresentam outros nutrientes e valor calórico derivado dos mesmos, pelo que o seu consumo em maior quantidade acaba por ser tão mau ou pior do que a versão dos alimentos com açúcar na sua composição. Além disso, há ainda aspectos fundamentais a investigar acerca dos adoçantes. Suspeita-se que o consumo constante de adoçantes aumente o desejo e apetite por doces, e suspeita-se ainda que o registo do sabor doce, ainda que não seja acompanhado dos açúcares e das suas calorias, possa influenciar à mesma a resposta da insulina, podendo aumentar a sua produção. Isto pode não só aumentar a formação de gordura, como também aumentar o risco de resistência à insulina (com maior risco para o desenvolvimento de diabetes). Além disso, um estudo realizado em Israel demonstrou que certos tipos de adoçante, nomeadamente o aspartame, a sacarina e a sucralose, podem promover o desenvolvimento de diabetes tipo 2, ao modificarem a flora intestinal dos seus consumidores frequentes. Contudo, todos estes aspectos necessitam de mais estudos, principalmente em humanos, e maior investigação no "como" estes processos ocorrem no nosso organismo, para se determinar se são ou não verídicos e o mecanismo que os desencadeia.

Que conclusões devemos então retirar?

Existem diversos adoçantes, e quer os consideremos no seu conjunto ou na sua individualidade, encontramos aspetos positivos e negativos da sua utilização. O uso de adoçantes permite reduzir o consumo de açúcares e consequentemente reduzir a ingestão calórica e os riscos associados a um consumo elevado de açúcar. Contudo, moderação é a "chave", uma vez que, apesar de não haver provas que demonstrem que os adoçantes causem malefícios ao nível da nossa saúde, para muitos deles também não existem provas de que, de facto, não causem, até porque muitos dos efeitos a longo prazo são ainda desconhecidos e muitos estudos necessitam ser ainda realizados nesse sentido.

Há que ter em conta que o adoçante já vem presente em muitos dos alimentos processados que consumimos, o que faz com que facilmente atinjamos as doses indicadas de consumo sem dar por isso. Assim, na hora de escolher se tomamos ou não adoçante com o nosso café, ou que adoçante escolher para comprar, devemos então ler os rótulos, ver quais os adoçantes que estamos a consumir, variar no tipo de adoçante utilizado e ainda alternar com a utilização de açúcar. Devemos também reduzir a quantidade de açúcar utilizado, de modo a gradualmente nos habituarmos ao sabor natural dos alimentos, e deste modo reduzir o consumo tanto de açúcar como de adoçantes.

Para mulheres no período de gestação, é preferível evitar o consumo de adoçantes, pois ainda que muitas das doses recomendadas se apliquem também às grávidas, o feto é capaz de captar os adoçantes absorvidos muito facilmente, e a quantidade que é aceitável para a mãe poderá não ser para o feto, podendo afetar o seu desenvolvimento.

Ao elaborar este artigo esclareci muitas das dúvidas que eu própria tinha acerca dos adoçantes! Espero que as vossas também tenham sido esclarecidas, e que da próxima vez que se perguntarem o que escolher, escolham já mais informados!

Um beijinho,

Joana Ferreira

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