quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Vai um cafézinho?


Hoje em dia, o consumo de café encontra-se bastante enraízado nos nossos hábitos alimentares. Isto verifica-se não só para a população portuguesa, como também para o resto da Europa e outros países, como Brasil e EUA. Seja para acordar, para manter a atenção depois de um bom almoço, para reunir com amigos ou apenas para aquecer num dia frio de Inverno, o café tem sempre uma desculpa para integrar os nossos dias. Segundo dados estatísticos, os Portugueses preferem o café expresso a outras formas de café. Continuam a preferir tomar o café fora de casa, em restaurantes e cafetarias, mas o seu consumo no lar tem vindo sempre a aumentar, por uma questão de preferência mas também por uma questão de preço. E se achamos que somos dos maiores consumidores de café, desfaçamos já essa ideia errada. Os portugueses consomem em média 2 cafés por dia, o que equivale a consumo anual per capita de 4kg de café, que se situa abaixo da média europeia de 6kg de café consumidos anualmente per capita e nos deixa entre os menores consumidores europeus de café. Apesar de se verificar uma tendência decrescente na produção mundial de café, com consequente aumento de preço para os consumidores, Portugal continua a apresentar os preços de café mais baratos e apelativos, incentivando assim a continuação e eventual aumento do seu consumo.
Talvez pelos valores significativos do seu consumo a nível mundial, o número de estudos que surgem diariamente acerca dos benefícios ou malefícios do café na nossa saúde têm vindo a aumentar, apresentando muitas vezes conclusões distintas e contraditórias e deixando-nos novamente num mar de dúvidas sobre se devemos ou não tomar aquela chávena de café que nos está a apetecer tanto. Afinal o café faz mal, bem, ou nenhuma das duas? Ao que parece, o café apresenta muitos benefícios, devidos aos antioxidantes e outras substâncias protetoras na sua composição, e também devido à cafeína, substância estimulante responsável pela maior atenção e concentração atribuídas ao café. 3 cafés foi a quantidade utilizada em muitos dos estudos que evidenciaram o efeito protetor do café no desenvolvimento de diversas doenças. Contudo, o café pode apresentar também alguns contras, muitos deles devidos também à própria cafeína, principalmente em pessoas mais sensíveis à cafeína ou com problemas cardíacos e renais.  Enquanto que para as pessoas saudáveis e com maior tolerância à cafeína, beber até 3-4 chávenas de café não constitui nenhum risco para a saúde - podendo até potenciar os benefícios - para as restantes, o consumo deve ser entre 1-2 chávenas, preferencialmente até à hora do lanche e poderão até usufruir de mais benefícios recorrendo a um descafeinado do que ao típico café.

No que toca aos efeitos positivos do café, pode-se começar por referir o seu fraco valor calórico, que associado a um leve efeito redutor do apetite e a um aumento da utilização energética da gordura corporal, fazem do café uma boa escolha nos regimes de perda de peso. Contudo, dado que muitas pessoas adicionam açúcar ou leite ao café, o seu valor calórico aumenta; tomá-lo ao natural ou reduzir a quantidade de açúcar que se coloca de modo a promover uma habituação ao seu sabor são duas formas de usufruir dos referidos benefícios. O ácido clorogénico, presente no café verde, leva ainda a um aumento do metabolismo e a uma redução na absorção de açúcares a nível intestinal. Aumenta o ritmo cardíaco, dando a conhecida sensação de energia após o consumo de uma chávena de café, e alguns estudos chegam a demonstrar que o seu consumo moderado pode estar associado a menor risco de incidentes cardiovasculares em pessoas saudáveis, dada a maior excreção de cálcio e consequentemente menor deposição do mesmo ao nível das artérias (que provoca maior rigidez dos vasos sanguíneos e aumenta o risco de problemas).

O consumo regular de café está também associado a um menor risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Estima-se que o consumo de 3-5 chávenas de café reduzam este risco, embora os mecanismos explicativos deste fenómeno não sejam ainda completamente compreendidos. Contudo, sabe-se que a perda de peso auxilia na prevenção do desenvolvimento tanto de diabetes como de problemas cardiovasculares; a ação dos seus antioxidantes pode estar também na origem da proteção que confere contra estes e outros problemas de saúde, como o cancro. Ainda não são claros os mecanismos que causam um efeito protetor do café no desenvolvimento ou agravamento de hiperuricemia, glaucoma e problemas hepáticos; contudo esses efeitos foram já demonstrados. O consumo das já mencionadas 3-5 chávenas de café está também relacionado com um menor risco de desenvolvimento de Alzheimer. Estima-se que o seu consumo reduza o risco desta doença em 20%, através da prevenção da formação de placas beta-amilóide no cérebro, redução da inflamação e atraso na deterioração das células cerebrais, especialmente nas que se encontram associadas à memória. Também apresenta um efeito protetor relativamente ao aparecimento de Parkinson,  evitando os danos neurais associados à doença, e um efeito positivo no combate à depressão, estimulando receptores responsáveis pela sensação de bem-estar.

O café tem grande utilidade para os desportistas, não só pela sensação de energia que confere, melhorando a sua performance e resistência, mas também porque estimula a utilização da gordura enquanto fonte de energia celular (aquando do esgotamento das reservas de hidratos de carbono a nível muscular), favorece a desobstrução das vias respiratórias e permite uma recuperação muscular mais rápida, com menor percepção da dor.

Porém, nem tudo são maravilhas; os aspetos negativos do café também se fazem sentir. Para começar, basta consumir café regularmente e em grandes quantidades para que a tolerância ao café e à cafeína aumente, deixando de causar a sensação de energia e maior atenção e concentração. Para voltar a sentir esse efeito é necessário aumentar a dose de café consumida, o que pode estimular o desenvolvimento de problemas ósseos e renais. O excesso de café está associado a um maior risco de osteoporose, ao reduzir a eficiência das células envolvidas na formação e regeneração óssea, e ao interferir com a quantidade de cálcio disponível no organismo para a constituição óssea. Reduz a absorção intestinal de cálcio, aumenta a sua excreção e, devido aos oxalatos presentes na sua composição, estimula a formação de oxalato de cálcio, que é um dos principais componentes das pedras nos rins. Além de aumentar o risco de problemas renais, para quem já os apresenta o café pode agravar a doença, devido ao seu carácter diurético. Pode ainda causar irritação ao nível da bexiga.

A nível intestinal, a cafeína presente no café estimula as contrações intestinais, podendo regular o trânsito intestinal; contudo, a longo prazo, é possível que o café possa ter um efeito contrário, uma vez que o seu efeito diurético pode causar desidratação - caso a reposição de líquidos não seja adequada - e esta, por sua vez, pode desencadear situações de obstipação. Além disso, essa estimulação intestinal pode levar a que os nutrientes não fiquem o tempo necessário no intestino para uma digestão e absorção adequada, acabando por prejudicar a nossa saúde. Mais ainda: o consumo de café isoladamente, sem comida a acompanhar, pode estimular a produção de maior quantidade de ácido gástrico do que o necessário para a sua digestão, irritando a mucosa gástrica e podendo causar dor, inchaço ou mesmo lesões.

A nível oral, o hálito e os dentes podem sofrer algum impacto. O consumo regular e de grandes quantidades de café pode causar manchas amareladas inestéticas nos dentes; contudo essas manchas localizam-se maioritariamente no biofilme (camada fina de bactérias que cobre os dentes e as gengivas) e não tanto no esmalte, podendo o efeito ser reversível com recurso a um branqueador. O efeito de coloração do café é menor que o do chá, e apresenta ainda uma substância química capaz de diminuir a ação de bactérias responsáveis pela deterioração dentária. O consumo regular e de grandes quantidades de café pode também causar mau hálito, normalmente acompanhado de sensação de boca seca, resultante da desidratação causada pelo café, com morte de células presentes na cavidade oral, que lá permanecem e libertam gases sulfurosos. Pedir um copo de água para acompanhar com o café, ou mascar pastilha elástica posteriormente de modo a estimular a produção de saliva, são duas estratégias para o combate desse problema.

Para pessoas que já apresentem problemas cardíacos, o consumo de café não deve ser encorajado; a consumir, é preferível optar pelos descafeinados, uma vez que a cafeína, ao aumentar o ritmo cardíaco, pode sobrecarregar o coração e causar um aumento da pressão arterial, aumentando o risco de incidentes cardiovasculares. Além disso, dependendo do tipo de processamento dos grãos de café e do seu modo de preparação, o café pode ou não conservar na sua composição diterpenos, compostos de natureza lipídica que podem causar um aumento dos níveis de colesterol no sangue, o que constitui um fator de risco para este tipo de doentes. Nas mulheres grávidas, o consumo de café deve igualmente ser reduzido ou baseado em descafeinados, dado que as recomendações limitam a ingestão diária de cafeína para 200mg (e cada chávena de café pode conter cerca de 100mg de cafeína). Consumos de cafeína superiores ao recomendado na fase de gestação estão associados a maior risco de aborto espontâneo. Na fase de amamentação é aconselhável evitar de todo o consumo de café (ou, novamente, basear-se nos descafeinados), dado que a cafeína pode aparecer no leite materno e, deste modo, ser transferida para o recém nascido, exercendo nele os seus efeitos.

No que toca ao sono, o consumo de café pode reduzir a qualidade do sono, ou mesmo provocar insónias. Não só inibe a produção de melatonina, substância que nos ajuda a relaxar e preparar para dormir, como diminui a sensação de sonolência e aumenta o estado de alerta, resultante da ação da cafeína no sistema nervoso. Em pessoas tolerantes à cafeína ou com um metabolismo rápido da mesma, estes efeitos não se fazem tanto sentir; em pessoas mais sensíveis à cafeína ou com um metabolismo lento da mesma, estes efeitos são mais comuns. O metabolismo rápido ou lento da cafeína é determinado geneticamente. O café pode também agravar ataques de pânico e ansiedade, pelo que as pessoas que tendem a sofrer deste problema devem moderar a ingestão de café ou optar por descafeinados.

É possível que a ingestão de café interfira com o efeito de alguns medicamentos, reduzindo a sua eficácia e potenciando os efeitos da cafeína. É aconselhável, para quem se encontra medicado, verificar as advertências presentes na embalagem ou no folheto informativo dos medicamentos, de modo a saber quais os alimentos que interferem com o seu efeito. 

O que fazer então?
Como foi apresentado, o consumo regular de café tem prós e contras, dependendo tudo da quantidade em que se ingere, e de alguns truques que se podem acrescentar à toma do café de modo a reduzir os efeitos indesejados. Um consumo de cerca de 3 chávenas é a quantidade ideal para potenciar os efeitos benéficos para a saúde; beber o café após as refeições ou acompanhado de outro alimento, beber um copo de água posteriormente e evitar o seu consumo algumas horas antes de deitar permite evitar muitos dos seus contras.

Para quem bebe menos ou não bebe de todo café, não tem que começar a beber (mais) apenas para usufruir dos benefícios. A cafeína e os antioxidantes obtidos no café são também obtidos noutros alimentos; apenas para quem gosta de beber, há que ter a noção da importância de moderar o seu consumo de forma a que o impacto na saúde seja mais positivo que negativo. Para quem bebe mais de 3-4 cafés por dia, é importante começar a pensar em talvez reduzir o consumo. Apesar de alguns estudos associarem um efeito protetor entre 3-5 chávenas de café, 5 chávenas encontra-se num limiar já elevado de consumo. A redução deve ser feita gradualmente, uma vez que uma interrupção brusca do seu consumo pode causar o aparecimento de um ligeiro síndrome de abstinência em algumas pessoas, nomeadamente dores de cabeça, náuseas, irritabilidade e ansiedade.

As pessoas que apresentem ataques de pânico e ansiedade, problemas renais, intestinais ou cardíacos, bem como mulheres grávidas e em fase de amamentação devem reduzir o consumo de café ou preferir os descafeinados, dado que a cafeína pode produzir efeitos indesejados nestes doentes.


Espero ter esclarecido neste tema tão controverso, e que possam saborear a vossa próxima chávena de café muito mais descansados e conscientes dos seus efeitos!

Um beijinho,

Joana Ferreira

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