terça-feira, 10 de novembro de 2015

Alimentação e Acne

A relação entre acne e dieta é ainda pouco clara. Entre os anos de 1800 e 1900, esta relação começou a ser alvo de estudo, e algumas hipóteses foram colocadas relativamente a alimentos favorecedores e inibidores do acne. Contudo, estudos posteriores acabaram por desmentir tais teorias e fizeram crer até aos dias de hoje que tal relação não passava de um dos muitos mitos existentes acerca do acne e de como tratá-lo. Apenas nesta última década se retomou a potencial ligação alimentação-acne enquanto objeto de estudo e atenção, levando mesmo médicos dermatologistas a realizar também algumas recomendações nutricionais perante os casos de acne. Havendo tantos estudos contraditórios, mais uma vez as pessoas ficam confusas e sem saber: afinal, tal relação existe ou não? É dos açúcares ou das gorduras? Existe algum alimento que possa influenciar positivamente nesta situação?



Antes de mais, convém definir o que é o acne. O acne é uma condição cutânea, caraterizada por uma pele oleosa e consequente aparecimento de borbulhas, pústulas e pontos negros. Podem surgir cicatrizes no lugar das borbulhas e pústulas após o seu desaparecimento. Manifesta-se principalmente a nível do rosto, pescoço, peito, parte superior das costas e ombros, uma vez que são as áreas da pele com maior número de glândulas sebáceas. No acne, as glândulas sebáceas são estimuladas a produzir maior quantidade de sebo, uma substância oleosa que lubrifica a pele. Quando o sebo é produzido excessivamente, o excesso (juntamente com algumas células mortas) acaba por se acumular ao nível dos poros, obstruindo-os e criando um ambiente favorável à proliferação de bactérias e consequente inflamação. Pode ocorrer acumulação de pus, formando as pústulas ou "pontos brancos", ou o poro abrir-se e escurecer, gerando os pontos negros. 

Existem diferentes tipos de acne. O mais comum ocorre durante a adolescência, devido ao aumento dos níveis hormonais, especialmente a testosterona, em ambos os sexos, causando a referida hiperestimulação das glândulas sebáceas. Outras situações que envolvam alterações hormonais, como gravidez, períodos de stress intenso e toma de contraceptivos orais, podem também causar essa hiperestimulação. Outros fatores que influenciam o desenvolvimento e/ou intensidade do acne incluem a toma de alguns medicamentos - corticoides, andrógenos ou à base de lítio - o tabagismo, e, possivelmente, alguns fatores dietéticos. Apesar de todos os fatores que influenciam o seu desenvolvimento, estima-se que 80% dos casos sejam transmitidos geneticamente.



A influência da alimentação no desenvolvimento e intensidade do acne continua pouco clara. Contudo, parecem existir evidências de que hidratos de carbono com alto índice glicémico (maioritariamente açúcares simples, absorvidos rapidamente) estimulam o acne, ao passo que a sua substituição por hidratos de carbono de baixo índice glicémico (maioritariamente HC complexos, absorvidos lentamente) parece atenuar esse efeito. Também a ingestão de lacticínios parece ter um efeito estimulador do acne. O efeito da ingestão de gordura, fibra, antioxidantes, zinco e ómega 3 permanece inconclusiva, contudo o conhecimento das suas propriedades levam ao estabelecimento de hipóteses fortes sobre sua a relação com o acne .

Relativamente ao índice glicémico (IG), não só este é importante para o acne como também a carga glicémica (CG). De uma maneira muito simples, não importa apenas a quantidade de açúcares simples presentes num alimento - e consequente resposta no aumento de açúcar no sangue - como a quantidade desse alimento que ingerimos. A maneira como a relação entre IG/CG e acne se processa necessita de mais estudos para ser totalmente compreendida. Parece que um dos efeitos da diminuição do consumo de alimentos com alto IG/alta CG é a perda ponderal, e a perda de peso leva à redução da produção algumas hormonas, como as hormonas masculinas, e consequentemente à diminuição da estimulação das glândulas sebáceas e da oleosidade da pele. Outro efeito está associado à redução da quantidade de insulina produzida, cujos níveis elevados estimulam o aumento dos níveis corporais de IGF-1 (estimula a produção celular, incluindo dentro dos poros, levando à sua obstrução, bem como o aumento da oleosidade da pele) e de hormonas masculinas e ainda à diminuição dos níveis corporais de compostos que regulam a IGF-1 e todo o sistema hormonal. Contudo, devido a limitações em alguns dos estudos realizados, como pouca duração, ausência de follow-up e/ou necessidade de avaliações mais objetivas, é impossível afirmar com certezas a relação positiva entre a redução de IG/CG e melhoria do acne; mais estudos são necessários nesta temática para estabelecer uma relação positiva e certa entre os dois factores.




No que toca aos lacticínios, principalmente ao nível do leite, o seu efeito estimulador do acne prende-se com as hormonas presentes na sua composição, como por exemplo a IGF-1 (mecanismo já descrito) e andrógenos (alteram a regulação hormonal, aumentam os níveis de hormonas masculinas e, consequentemente, causam a hiperestimulação das glândulas sebáceas). Outros compostos presentes ao nível do leite demonstraram também estimular a produção de insulina, cujo mecanismo de desencadeamento do acne foi já referido. Porém, dadas as limitações de alguns dos estudos realizados, nomeadamente pouca duração, amostras pequenas e/ou necessidade de avaliações mais objetivas, esta é igualmente uma temática que necessita de mais atenção e estudo para desenvolver uma conclusão forte. 

O efeito do consumo de ómega 3 no acne não está ainda comprovado. Contudo, sabe-se que apresenta propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, logo um maior consumo de ómega 3 (associado a uma diminuição de ómega 6 - com propriedades pró-inflamatórias) está associado a diminuição da inflamação.  Como o acne apresenta uma componente inflamatória, deduz-se que o consumo de substâncias com semelhantes propriedades acabe por ter um efeito positivo na redução do acne (bem como da sua intensidade). Além disso, promove a redução dos níveis corporais de IGF-1.

Parece também ser devido às suas propriedades anti-inflamatórias e anti-bacterianas que o consumo de quantidades adequadas de zinco, bem como a sua suplementação (principalmente em vegetarianos), tem demonstrado um efeito significativo na redução do acne. Além dessas propriedades, verifica-se também uma redução na produção de sebo e maior manutenção da integridade da pele. No que toca aos restantes minerais e vitaminas antioxidantes, o seu efeito ao nível do acne não foi ainda comprovado. Contudo, ao combaterem a inflamação, também presente no acne, faz sentido associar um maior consumo dos mesmos - alimentar e em suplementação - a uma atenuação do acne. Esta possível relação continua ainda em estudo.

Por fim, a evidência sugere que um maior consumo de gordura pode estar associado a um maior conteúdo da mesma no sebo produzido, mas não necessariamente a uma maior produção de sebo. Contudo, alguns estudos demonstraram uma associação entre dietas ricas em gordura saturada e níveis corporais de IGF-1 elevados, enquanto que dietas pobres em gorduras e ricas em fibra foram associadas a uma diminuição dos níveis corporais deste mesmo composto.


O que fazer então?

Tendo em conta toda a informação apresentada e toda a evidência científica existente sobre o assunto, ainda que muita dela necessite de mais estudos ou de alteração das condições de realização para resultados mais inequívocos, é pertinente afirmar que certas mudanças alimentares podem ser realizadas na tentativa de atenuar o aparecimento do acne e a sua intensidade. Porém, há que relembrar que existem outros fatores não dietéticos a influenciar o desenvolvimento de acne. Mudar a alimentação permite-nos combater nessa vertente, mas toda a parte associada ao estilo de vida - tabagismo e stress - precisa de ser tida em conta na hora de combater este problema.

Na parte alimentar aconselho então, de um modo geral, a diminuição do consumo de bolos, bolachas, chocolates, refrigerantes e outros alimentos carregados de açúcar, bem como a moderação do consumo de gorduras, dando privilégio ao consumo de ómega 3 - peixes gordos, óleos de peixe, sementes e frutos oleaginosos. Quando escolher hidratos de carbono complexos - pão, massa, arroz - prefira aqueles que apresentam maior teor em fibra, nomeadamente os integrais. Moderar o consumo de lacticínios é também importante, preferindo os iogurtes e queijos ao leite. Aumentar o  consumo de fruta e vegetais permite um bom aporte de vitaminas e minerais antioxidantes, capazes de combater inflamação.

Como sempre aconselho quando escrevo, antes de iniciar qualquer alteração na alimentação, em qualquer faixa etária ou por qualquer motivo, consulte um nutricionista de modo a que haja um acompanhamento dessas alterações e a evitar deficiências nutricionais resultantes das mesmas. Neste caso aconselho também a consultar um médico, dada a forte componente hormonal do acne. 

Espero ter elucidado um pouco mais sobre este tema, e que façam uso dessa informação para proveito próprio ou de outrem! 

Beijinhos,

Joana Ferreira







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