segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Leite e derivados, sim ou não?

Hoje em dia um dos assuntos mais falados no campo da nutrição, é se de facto devemos ou não consumir leite e os seus derivados. Depois de muitos artigos já publicados com opiniões contraditórias, muita gente continua sem saber afinal qual a atitude que devem tomar em prol da sua saúde. Afinal, devemos ou não consumir lacticínios? Pois bem, decidi investigar por mim própria todos os prós e contras que esta questão envolve e elaborar uma conclusão em função da qual guiaria as minhas próprias escolhas alimentares. 

Os lacticínios são alimentos nutricionalmente ricos e equilibrados. Apresentam uma composição variável no que toca ao teor de hidratos de carbono e gordura, o que consequentemente influencia o seu valor calórico, e contribuem razoavelmente no fornecimento de proteínas ao nosso organismo. Cada caso é um caso, e deve ser analisado individualmente; contudo, é possível afirmar que para o adulto saudável, o ideal é o consumo de lacticínios magros, uma vez que a gordura presente nestes alimentos é de origem animal - apresenta colesterol - e saturada - o que contribui para aumentar o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares. No que toca aos açúcares, a situação é a mesma, mas é possível generalizar para o adulto saudável a recomendação de lacticínios com um teor de açúcares (hidratos de carbono absorvidos rapidamente) inferior a 7g/100ml, uma vez que o consumo frequente de grandes quantidades de açúcares aumenta o risco de desenvolvimento de diabetes e de outras perturbações metabólicas, bem como de aumento de peso. Mas nem tudo é mau nestes alimentos: as proteínas que nos fornecem, dado que também provêm de "fontes animais", contêm todos os aminoácidos que o nosso corpo precisa para se desenvolver e manter saudável, e a sua absorção é eficaz (superior a 50%). Além destes nutrientes, fornecem-nos ainda outros que, apesar de presentes em menor quantidade, são igualmente importantes na manutenção da nossa saúde, pois participam em reações químicas e funções básicas do nosso organismo. São eles o cálcio, o potássio, o magnésio, o zinco,  vitaminas A (maior quantidade nos produtos mais "gordos") e D (lacticínios enriquecidos), e algumas do complexo B.

Uma outra questão a realçar nos lacticínios e que constitui uma mais-valia deste grupo alimentar é a biodisponibilidade do cálcio (isto é, a percentagem de cálcio absorvida). Muitos outros alimentos apresentam cálcio na sua composição, como vegetais de folha verde - couve, couve chinesa, espinafres; brócolos, feijão cozido, frutos oleaginosos, e derivados de soja fortificados; contudo, são poucos os alimentos onde a percentagem de cálcio absorvida supera a dos lacticínios. Os 30%-35% de biodisponibilidade apresentados pelo leite e derivados são apenas superados pelos 50%-60% apresentados pelos brócolos, couve e couve chinesa, deixando os outros alimentos referidos com menor potencial de fornecimento de cálcio. No entanto, não conta apenas a percentagem absorvida mas também a quantidade total presente. Combinando estes dois factores, os lacticínios ganham o prémio para melhor fonte de cálcio, uma vez que apresentam maior quantidade de cálcio do que os brócolos, couve e couve chinesa, ao ponto de a quantidade absorvida ser maior com estes do que com essas fontes vegetais. O facto de apresentarem vitamina D e fósforo na sua composição ajuda a que o cálcio seja mais facilmente absorvido e fixado nos ossos.

Uma teoria que surgiu recentemente e que desacreditou os lacticínios na questão do cálcio foi a de que os lacticínios causam acidificação do pH sanguíneo, e que para compensar essa ocorrência o organismo vai buscar cálcio aos ossos. Ou seja, basicamente o cálcio dos lacticínios não é utilizado pelo nosso organismo, se não para compensar os "estragos" que o consumo destes mesmos alimentos causou. Esta teoria baseou-se no facto de estes alimentos serem uma boa fonte proteica, e um alto teor proteico leva a uma "sobrecarga ácida", que é compensada com o cálcio que é retirado dos ossos e posto em circulação, que neutraliza essa acidez. Pois é, mas a verdade é que não existem de facto provas conclusivas desta teoria. A boa notícia para os amantes do leite e dos seus derivados é que de facto o "potencial ácido" destes alimentos não é assim tão elevado. De facto, este valor para o leite e o iogurte é reduzido, aumentando apenas a nível dos queijos, e apenas ultrapassando o de peixe, carne e derivados da carne quando os queijos apresentam mais de 15g de proteína por 100g de produto. Resumindo: cuidado com o queijo e atenção ao seu valor proteico, e no que toca ao leite e iogurte, desde que consumidos moderadamente, não há problema. Há alimentos mais preocupantes nesse assunto e já referidos, nomeadamente a carne e derivados, e peixe.

Contudo, existem de facto aspectos negativos relativamente a este grupo alimentar que se revelam incontornáveis. Cada vez mais a associação entre lacticínios e cancro tem vindo a ser estudada e comentada, e se é verdade que para certos tipos de cancro essa relação é inconclusiva e necessita de mais estudos, como é o caso do cancro da mama, e para outras até pode revelar um efeito protetor desde que consumidos na sua versão magra, como o cancro do cólon e recto (efeito protetor devido ao cálcio), para outros o efeito parece inverso. Para o cancro do ovário e da próstata, os lacticínios - sobretudo o leite - parece(m) ter um efeito nefasto. No caso do ovário, suspeita-se que esse feito se deve à presença de D-galactose, um "açúcar" do leite que é fermentado aquando da produção de iogurte e queijo e que por isso mesmo existe em menor quantidade nos derivados do leite. Este açúcar aumenta o dano celular e diminui a resposta imunitária. Já ao nível da próstata, essa relação deve-se à presença de IGF-1 no leite ou ao estímulo da sua produção causada pelo consumo de leite, que estimula o crescimento de células cancerígenas.

Outro dos aspectos negativos associado ao leite é toda a parte respeitante à produção. Hoje em dia vivemos num mundo onde a produção alimentar tem que dar resposta rápida às necessidades de milhões de pessoas, e por vezes na tentativa de o fazer acabam por se perder valores e princípios éticos e ambientais, criando condições negativas não só para o ambiente como para a saúde humana. Como? Falando especificamente do leite de vaca, muitas das empresas produtoras de leite "obrigam" as vacas a estarem permanentemente grávidas e injetam-nas com hormonas como a bGH, de modo a garantir a produção constante e em maior quantidade de leite. Muitas das vacas acabam por ser separadas dos seus potros logo à nascença, sendo as fêmeas aproveitadas para posterior produção de leite, e grande parte dos machos dispensado. Além do caráter óbvio da falta de ética, surgem os problemas para a saúde - algumas hormonas estão presentes ao nível do leite que bebemos, e podem de facto aumentar o risco de cancro e causar outras alterações de caráter hormonal. A FDA estabeleceu valores aceitáveis para a presença destas hormonas do leite, contudo nem todas são ainda facilmente rastreáveis, pelo que mais métodos estão em estudo para um controlo mais rigoroso. Além das hormonas, resíduos de antibióticos também podem estar presentes no leite, resultantes do uso preventivo e constante de antibióticos nos animais, uma vez que a sua produção massiva obriga a que vivam muitas vezes todos juntos, com poucas condições de higiene e sem grande espaço para se movimentarem. Os consumo involuntário destes antibióticos leva a que os agentes causadores de doença criem resistência aos mesmos, não surtindo efeito quando realmente adoecemos. E se é verdade que todas as condições aqui descritas não se aplicam à totalidade das entidades produtoras de leite, o facto é que se aplica a muitas, podendo afetar-nos sem que sequer notemos.

Por fim, um aspecto óbvio que é muitas vezes defendido, e que inicialmente pode parecer absurdo,  mas quando analisado de perto não é assim tanto: somos a única espécie que bebe leite de outra espécie e prolongamos esse consumo até a idade adulta. Não será esse leite adaptado às necessidades dos potros? Será que faz realmente assim tanto sentido beber leite? Graças à industrialização conseguimos aumentar a produção de leite e manipular a sua composição adaptando-a às nossas necessidades, tornando-o um dos alimentos mais vantajosos de consumir; além do mais, inventámos tantos outros produtos alimentares que outras espécies também não dispõem e nós próprios não dispunhamos há muito tempo atrás, e isso não faz desses alimentos inadequados. Então porque faz do leite inadequado? O facto é que a intolerância à lactose, açúcar naturalmente presente no leite de vaca, ronda os 70% a nível mundial, e os 40% a nível da população portuguesa, e isso é dos principais indicativos de que não devemos beber leite de vaca. Mais ainda: grande parte da população a nível mundial tende, com o aumento da idade, a tornar-se intolerante à lactose, perdendo a capacidade de produzir a enzima responsável pela sua digestão. Biologicamente faz sentido, pois o leite serve para estimular o crescimento e desenvolvimento, coisa que já não acontece na idade adulta. Existem ainda imensos casos de alergia à proteína do leite de vaca, sendo muitos desses casos devidos à introdução precoce do leite na alimentação dos bebés, pois este leite apresenta proteínas grandes e complexas para o sistema digestivo dos bebés, não conseguindo digeri-las e levando o organismo a identificá-las como "corpos estranhos", criando defesas contra as mesmas. Essa reação não acontece nunca no leite materno. Dá que pensar não dá? E se para os intolerantes à lactose é possível recomendar leite sem lactose, para os alérgicos à proteína do leite de vaca essa questão contorna-se apenas com a exclusão dos lacticínios - e de alimentos que os contenham - da alimentação.

Que conclusão tiramos disto tudo?
O consumo de lacticínios tem os seus prós e os seus contras. A solução não tem que passar necessariamente pela exclusão de lacticínios da alimentação, apesar de ser possível exclui-los da alimentação e ainda assim satisfazer todas as nossas necessidades nutricionais. Contudo a diversificação da alimentação é fundamental para encontrar alternativas ao consumo deste alimento, de modo a reduzir a quantidade de leite e derivados que consumimos e os riscos que acarretam. A própria Universidade de Harvard, que elaborou um novo guia de alimentação saudável do qual retirou os lacticínios, defende que o seu consumo pode ser efetuado mas que não deve ultrapassar 1 porção diária. Reduzir o consumo de alimentos deste grupo, sem os excluir totalmente, reduz todos os aspetos negativos referidos, quer para a saúde, quer para o ambiente, mantendo ainda assim as vantagens nutricionais que apresentam. Preferir os derivados do leite ao próprio leite, que perdem alguns dos componentes prejudiciais na sua produção, ajuda a reduzir ainda mais os prejuízos associados deste grupo alimentar. Porque não alternar o consumo de lacticínios com o consumo de bebidas de soja, arroz, coco ou amêndoa? Porque não incluir alguns dos vegetais que apresentam cálcio na nossa alimentação diária, variando as nossas fontes de cálcio? São apenas algumas alternativas que permitem a redução do seu consumo. Contudo, esta redução e/ou eventual exclusão dos lacticínios deve ser sempre acompanhada por um nutricionista, em qualquer faixa etária e por qualquer razão, de modo a garantir que não existem deficiências nutricionais associadas. 

Sei que foi um texto extensivo, mas este é realmente um assunto com muitos aspectos a ter em conta para tomar uma decisão consciente e informada. Espero que tenham ficado mais esclarecidos neste tema, tanto quanto eu posso afirmar que fiquei.

Beijinhos,

Joana Ferreira

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