quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Glúten, o terror do momento


Um dos assuntos mais polémicos atualmente no mundo da alimentação é o consumo de alimentos com glúten. Assistimos, de um lado, a um número crescente de pessoas a desistir do glúten, mesmo sem doença celíaca, e do outro, a pessoas de faixas etárias superiores a defender o pão e as massas com unhas e dentes, que viram os seus antepassados a consumi-los durante toda a vida e chegaram quase aos 100 anos. Se o glúten vem fazendo parte da nossa alimentação desde há tantos anos, afinal qual o porquê de tanto alarido? Mais uma pesquisa a fazer para opinar sobre esta temática.
O glúten é um complexo proteico, composto por gliadina e glutenina, que se encontra em cereais como o trigo, o centeio e a cevada, ou nos alimentos que os contenham na sua composição - farinhas, bolos, bolachas, pão, massa, pizzas, cereais de pequeno almoço e até cervejas. O termo "glúten" significa em latim "cola", o que remete para a sua função de conferir viscosidade e elasticidade aos alimentos. Devido a este efeito, atualmente o glúten é adicionado a alimentos que inicialmente não o apresentavam na sua composição, como molhos, queijos, margarinas, caldos artificiais, entre tantos outros, de modo a conferir melhor textura e consistência aos produtos. Além disso, o glúten  tem um papel fundamental no processo de fermentação, fazendo com que a massa "cresça" após a mistura com o fermento e exposição ao calor.

O problema associado ao consumo de glúten começou por associar-se apenas à doença celíaca. A doença celíaca é uma doença na qual o consumo de glúten desencadeia uma resposta do sistema imunitário, levando ao estado inflamatório, com maior representatividade ao nível do intestino, onde ocorre o ataque dos anticorpos ao glúten e às vilosidades do intestino, mas com efeitos ao nível de todo o corpo. Ocorre em pessoas geneticamente predispostas, maioritariamente no período da infância, contudo é possível um período de latência ou manifestação silenciosa da doença, levando a manifestações mais tardias e a que indivíduos doentes não sejam diagnosticados. Tem como sintomas dor e desconforto abdominal, obstipação ou diarreia crónicas, fadiga, anemia e outras deficiências nutricionais resultantes de má absorção dos nutrientes, perda de peso e atraso no desenvolvimento, ansiedade e depressão, dermatites, entre outros.

Para os doentes celíacos, a única solução passa pela exclusão do glúten da sua alimentação. Hoje em dia a realização de uma dieta sem glúten é facilitada devido à adaptação de muitos alimentos originalmente com glúten para uma versão isenta do mesmo, facilitando a transição e diminuindo a diferenciação e exclusão antes associadas a este tipo de alimentação. Estes alimentos apresentam no rótulo a descrição "sem glúten", contudo convém sempre verificar a ausência na lista de ingredientes dos cereais com glúten, bem como dos seguintes compostos: xarope de glicose, corante de caramelo, açúcar glace, aroma de baunilha, geleia real. O termo "sem glúten" ou "isento de glúten" presente nos rótulos pressupõe para a presença de glúten no alimento numa quantidade inferior a 20mg/kg de alimento, tal como vendido ao consumidor final. 

O problema do glúten começou apenas a atingir as dimensões atuais com a descoberta de que não só os celíacos sofriam com o consumo de glúten, mas também os intolerantes ao glúten, e que a prevalência desta intolerância, apesar de pouco certa e também dependente de fatores demográficos e culturais, é elevada, existindo muitos casos por diagnosticar. A intolerância ao glúten não celíaca consiste na dificuldade ou incapacidade de realizar uma digestão adequada após o consumo de glúten. Além de não se conseguir digerir o glúten, a sua natureza "pegajosa" interfere com a dissolução e a absorção dos nutrientes. O glúten parcialmente digerido pode ainda, em alguns casos, interferir nas ligações intercelulares, suscitando uma ação do sistema imunitário. Uma pessoa pode ser intolerante a qualquer uma das proteínas do glúten, ou apenas a uma das doze unidades mais pequenas que compõe a gliadina. As alterações genéticas feitas aos cereais - especialmente ao trigo - nos últimos anos modificaram o glúten e aumentaram substancialmente a sua quantidade nos cereais, e o aumento do consumo de cereais e dos seus derivados (após a revolução industrial, com maior produção de alimentos e a um preço mais acessível à maior parte da população) podem estar na origem desta intolerância e do aumento da sua prevalência a nível mundial. A intolerância ao glúten manifesta-se através de diarreia ou obstipação, flatulência e inchaço abdominal aquando da ingestão de alimentos com glúten, mas também através da presença constante de dores de cabeça e enxaquecas, fadiga, alteração de humor, irritabilidade e ansiedade. Estes sintomas tendem a desaparecer com a redução ou mesmo exclusão total de alimentos com glúten da dieta. Atualmente, o diagnóstico assenta essencialmente num resultado negativo aos testes para doença celíaca, mas numa melhoria da sintomatologia após a diminuição ou exclusão do glúten da dieta. 

Este problema agravou-se com o aparecimento de estudos que mostram que a inflamação causada pelo consumo de glúten em indivíduos susceptíveis (intolerantes ou celíacos) pode levar a um maior risco de desenvolvimento de outras doenças com origem na inflamação, como obesidade, doenças cardiovasculares, doenças auto-imunes e doenças neurodegenerativas. Além disso, devido à presença de proteínas específicas presentes no cérebro semelhantes à gliadina alimentar, os anticorpos antigliadina não conseguem distinguir e atacam igualmente essas mesmas proteínas, tornando também o cérebro um foco da inflamação e promovendo a destruição de células nervosas e redes neurais. 


Será que isso significa que a partir de agora terei mesmo que abdicar dos alimentos com glúten? Bem, apesar da grande percentagem da população ser celíaca ou intolerante ao glúten, existe a percentagem que não o é. Antes de retirar permanentemente o glúten da sua alimentação, registe eventuais sintomas que sinta frequentemente, especialmente após o consumo de alimentos com glúten. Pode retirar o glúten da sua alimentação pelo espaço de uma a duas semanas e ver se sente algumas melhorias na sua saúde. Se sentir alguma diferença ou melhoria dos sintomas anteriormente existentes, é possível que seja intolerante ao glúten; porém,  antes de optar por uma alimentação sem glúten, permanente ou temporária, consulte um nutricionista, de modo a prevenir deficiências nutricionais.

Mesmo na ausência de intolerância, dado que é na moderação e variedade que reside o equilíbrio, porque não reduzir o consumo diário de glúten? Porque não alternar massas, pães, bolos, bolachas e outros alimentos com glúten, com versões isentas do mesmo? E porque não alternar todos estes alimentos com cereais e outros substitutos naturalmente isentos deste composto, como aveia, arroz, quinoa, milho, mandioca e batata? Assim, evita sobrecarregar o organismo com grandes quantidades de glúten.

Espero ter ajudado a entender melhor toda esta polémica em torno do glúten, e que uma eventual adesão a este tipo de alimentação seja feita de modo consciente, informado e sustentado, e não por se tornar quase que uma "moda", com adesão cega e inquestionável.


Beijinhos,

Joana Ferreira

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